Tuesday, February 25, 2020

Eu sabia que sofreria ataques. Nem Jesus agradou a todos, diz rainha de bateria da Mangueira, Evelyn Bastos, sobre fantasia

RIO — “Quem é ela para se vestir de Jesus? Blasfêmia!!!”, bradou uma internauta em uma rede social após o desfile da Mangueira no domingo. Apenas uma ovelha desgarrada do rebanho de milhares de súditos que aplaudiram a força e a coragem de Evelyn Bastos representando Cristo como uma mulher negra diante da bateria da verde e rosa. Houve quem criticasse o “excesso” de roupa — ao contrário do que se esperava, ela desfilou com um manto roxo que cobria boa parte do seu corpo —, e a falta de samba: Evelyn, de 26 anos, optou por não dançar, para não sexualizar a imagem de Jesus. Nada que tenha abalado a confiança da rainha.

— Ser rainha de bateria é falar dos nossos problemas sociais, da mulher ser vítima de preconceito, ser abordada de maneira mais abusiva por estar descendo a favela, criticada por não ter cabelo liso. Queríamos cessar a objetificação da mulher à frente da bateria. Tem gente que não quer levantar bandeira de nada, mas na hora de criticar, tem voz. Falar por tantas pessoas é muito difícil, eu sabia que sofreria ataques. Nem Jesus agradou a todos. Mas não levo essas críticas para frente —  diz Evelyn, nascida e criada na comunidade da Zona Norte do Rio.

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Em conversa exclusiva com o GLOBO no dia seguinte à apresentação, ela conta que  entrou no Setor 1 muito emocionada, por ser “muito religiosa” — espírita, criada na Igreja Católica, frequenta a missa duas vezes por semana. Conteve as lágrimas porque, mais do que sofrido, queria levar para a Avenida, um Cristo aguerrido, que falasse contra a opressão com a leveza e a doçura da mulher. Ao longo do desfile, viu na plateia, expressões de emoção, felicidade, espanto. Pessoas na expectativa de que ela trocasse de roupa. E seguiu firme.

— Quando acabou, tive a sensação de dever cumprido e me senti melhor como pessoa. Foi o meu maior desafio na Marquês de Sapucaí. Em 22 anos de Mangueira, 7 à frente da bateria, foi a primeira vez cruzei a Avenida sem sambar. E nem senti vontade — conta.

Evelyn estava mesmo muito centrada, ciente da importância da mensagem que carregava como uma das faces de Jesus no enredo “A verdade vos fará livre”. Tanto que pediu ao noivo, o vereador e empresário Marcelo Coutinho, que a desejasse boa sorte apenas com um beijo na mão e outro na testa antes do desfile:

— Para de forma alguma dar margem às pessoas vulgarizarem aquilo ali. Não tirei selfies com o público, fiquei bem concentrada em passar a mensagem, foi algo muito sagrado. Nunca tínhamos tido Jesus na Sapucaí, numa festa tão bonita e legitimamente nossa. O que ele pensaria se voltasse agora em meio a tanta opressão e imposições de religião acima da fé? Queríamos fazer carnaval protestando, falando de nossos problemas e de amor — ressalta.

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A performance de Evelyn na Sapucaí foi construída com a ajuda do professor de teatro da comissão de frente da escola, Tauã Delmiro, que a sugeriu, ao invés de uma coreografia, que ela levasse para o desfile sua vivência como mulher negra, as situações pelas quais passou. Uma tatuagem em seu braço direito com a palavra “resiliência” ajuda a explicar a força que ela transbordou na Avenida:

— A casa da minha família na Mangueira pegou fogo em 2013, perdemos tudo. Foi um momento muito difícil, meu pai tinha saído de casa, minha mãe (Valéria Bastos, que foi rainha de bateria da verde e rosa nos anos 1980) ficou muito abalada, eu tinha 18 anos, precisei trabalhar para erguer tudo de novo. Conseguimos reconstruir a casa e ressurgimos das cinzas. Esse período da minha vida me ajuda a lembrar que, se eu passei por isso, sou capaz de passar por qualquer coisa.

E, mesmo não sendo atriz — ela é formada em Educação Física pela Uerj — Evelyn passou muita verdade diante da bateria e arrancou elogios, inclusive, do carnavalesco da escola, Leandro Vieira.

— Uma rainha emplumada, coberta de cristais e seminua quer ser vista. Uma rainha que atua, interpreta, quer ser ouvida. Evelyn não precisa provar para ninguém que é linda e que sabe sambar. Mas ela sabe que é um exemplo para as crianças da comunidade, que olham para ela com admiração. E assumiu seu lugar de fala, que pode abrir caminhos para outras rainhas terem a mesma postura — destaca Leandro.

Evelyn usou uma coroa de espinhos e correntes durante desfile Foto: Antonio Scorza / Agência O Globo
Evelyn usou uma coroa de espinhos e correntes durante desfile Foto: Antonio Scorza / Agência O Globo

 

À frente de uma bateria representando a brutalidade dos romanos diante de Jesus, Evelyn quase foi para a Sapucaí vestida de guerreira romana. A autorização da Arquidiocese para que Evelyn se vestisse de Jesus, uma prioridade de Leandro, só chegou em janeiro. 

— Fiquei angustiada. Geralmente, em novembro, já tenho a minha fantasia. Mas Leandro não quis fazer nada sem a permissão da Arquidiocese, porque, até para protestar, precisamos de aliados. E queríamos levar um Jesus mulher para a Avenida respeitando todas as religiões, até mesmo aquelas que acham que carnaval é uma festa da carne, algo pejorativo — diz.

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A caracterização levou duas horas e meia para ficar pronta. As dez chagas pelo corpo e rosto, feitas de silicone, foram cuidadosamente aplicadas com cola por três profissionais. Elas foram maquiadas no tom da pele de Evelyn, que também teve mãos, braços, pernas e pés pintados com tinta marrom e vermelha, para representar o Cristo alvejado, indo para a cruz. Na cabeça, ela carregou uma coroa de espinhos e, nos braços, correntes de verdade. A fantasia pesava 8kg.

— Na dispersão, a roupa pesava 16kg, de cansaço, de dor, de euforia. Me ofereceram espuma para colocar debaixo da coroa e correntes de mentira, mas eu não quis. Senti muita dor na cabeça e nos braços, pelos espinhos e o peso das correntes. Mas queria passar realismo, misturado com arte — conta.

A adrenalina demorou a passar. Ela chegou no início da manhã de segunda ao hotel onde parte da equipe da Mangueira está hospedada, na Lapa, tomou café e, com a ajuda do noivo, esfregou no banho a maquiagem do corpo, que uma hora depois, insistia em não sair. Só foi dormir às 10h e acordou às 14h, pensando nos desfiles das demais escolas do grupo especial que assistiria à noite na Sapucaí. Segura de que a verde e rosa está na disputa pelo bicampeonato:

— Ficamos muito felizes com o desfile, tínhamos carros gigantescos, conseguimos encaixar no tempo certinho, tudo funcionou. Sou muito otimista e tenho muita fé. Meu coração diz que Jesus, com toda a sua bondade, viu que a gente falou do que ele mais pregava, que era estar do lado dos oprimidos, dos mais pobres. Acredito muito nesse bicampeonato.

Estandarte de Ouro 2020

O prêmio será entregue no Armazém 1 do Píer Mauá, no dia 13 de março.

Confira o preço dos ingressos:
Inteira – R$ 70
Meia – R$ 35
Mesa quatro lugares – R$ 280

As vendas começarão nesta de quinta-feira (dia 27/2) no link: https://www.ingressocerto.com/estandartedeouro2020

 



source https://opengeekhouse.com.br/2020/02/26/eu-sabia-que-sofreria-ataques-nem-jesus-agradou-a-todos-diz-rainha-de-bateria-da-mangueira-evelyn-bastos-sobre-fantasia/

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